AS FORMAS BÁSICAS

A Umbanda é uma religião eminentemente simbólica. Isso se justifica pelo fato de o símbolo estar presente em todas as atividades humanas, até mesmo nas mais corriqueiras do dia-a-dia: Uma música que lembra alguém, uma logomarca que remete à força comercial de um produto, uma palavra que remete a lembranças boas ou ruins, o escudo do time de futebol que suscita a paixão pelo clube, até mesmo aromas podem nos remeter a pessoas, locais ou fatos armazenados na memória.

Na verdade, o uso de símbolos é um traço característico da dimensão humana. No início do Século XX, Carl Jung produziu toda uma teoria psicanalítica baseada nessa característica humana, apontando para a existência de imagens simbólicas gravadas no inconsciente coletivo, permeando as fantasias de todos os seres do planeta. Tais imagens seriam fruto de toda uma herança cultural ancestral, passada através das gerações, mas numa visão espiritualista podem ser interpretadas como as aquisições do espírito ao longo de suas inúmeras passagens pela matéria em épocas distintas da História da humanidade. Alguns desses símbolos ou imagens, por sua constante repetição ao longo das épocas acabam alcançando o status de "imagens primordiais" ou "arquétipos", isto é, imagens que contem em si uma carga de representatividade passível de ser reconhecida por qualquer pessoa, em qualquer lugar.

O Triângulo Representativo

 

A Doutrina de Umbanda se assenta sobre um trípé representativo das virtudes básicas que conduzem ao aperfeiçoamento e aproximam o homem de Deus. São elas: HUMILDADE, SIMPLICIDADE e PUREZA.

Da mesma forma, a Doutrina também entende que a vida física - meio para a aquisição e exercício dessas virtudes - se divide em três estágios muito bem delimitados e definidos. São eles: INFÂNCIA, VIDA ADULTA e VELHICE.

Por força dessas duas concepções triangulares, as entidades que compõem a Corrente Astral de Umbanda se apresentam em três formas simbólicas arquetípicas básicas: Criança, Caboclo e Preto Velho, cada uma delas representativa das características que devem ser preservadas nos três estágios da vida, a fim de se caminhar para o aprimoramento espiritual: infância - pureza, vida adulta - simplicidade, velhice - humildade. Logicamente, o ideal é que as três virtudes sejam cultivadas nas três fases da vida, mas é desejável, acima de tudo, que crianças sejam puras, adultos sejam simples e velhos sejam humildes.

Originalmente, todas as entidades que se manifestavam na Umbanda, apresentavam-se em uma dessas três roupagens. Ainda hoje, essas são as três principais formas, porém, como a Umbanda é uma religião universalista, que não exclui ninguém, ao longo do tempo, outras falanges de trabalhadores foram se incorporando ao trabalho e, presentemente, apresentam-se em roupagens específicas, na condição de falanges auxiliares (sobre elas, leia-se "Falanges Auxiliares").

 O Arquétipo Preto Velho.

 

A escravidão foi, sem dúvida, o episódio mais deplorável, mais funesto e doloroso de toda a História do Brasil.

Ao longo de 388 anos, hordas des negros africanos foram arrancadas de suas terras, de suas famílias, de tudo que conheciam e amavam e trazidas para o Brasil, onde lhes estava reservada uma existência de dor, humilhação, sofrimento, trabalho pesado e miséria. A maior parte desses infelizes tinha uma vida curta, mal chegando aos trinta e cinco anos, sucumbindo ante os maus tratos e as condições de vida e trabalho desumanas.

Alguns, contudo, detentores de maior vitalidade e, provavelmente, de maiores débitos, conseguiam atingir uma idade, a despeito de todas as adversidades.

Nesses raros casos, a soma das experiências acumuladas, principalmente das dores físicas e morais suportadas ao longo de décadas, produzia uma carga de profunda sabedoria existencial. Esses anciãos acabavam por se transformarem em conhecedores da natureza humana, suas mazelas, suas paixões e também suas virtudes e suas potencialidades positivas.

Na Umbanda, as entidades que se apresentam na roupagem de Preto Velho representam a sabedoria, a humildade e a redenção pela dor. São centenas de milhares de espíritos detentores de grande sabedoria, exímios manipuladores de energias etéreas, grandes conselheiros. Em sua presença, os consulentes se sentem à vontade e abrem seus corações, falando de suas angústias, de suas mazelas e ouvindo conselhos profundos em uma linguagem simples, despojada, mas acessível a qualquer pessoa, de qualquer classe social, de qualquer nível de formação intelectual. Seus conselhos trazem paz ao coração, esperança e consolação. Após a consulta, o consulente costuma se sentir leve e recomposto, o que também resulta das energias saneadoras que lhe são sutilmente transmitidas ao longo da conversa.

Grande parte das entidades que atendem nessa vibração tiveram pelo menos uma encarnação como escravos, mas há também um grande número daqueles que, embora não tendo passado por essa experiência dolorosa, atingiram por outros meios a cota de sabedoria e humildade necessárias para a elevação na escala espiritual e que, de coração aberto, vestem a roupagem e vão aos terreiros com o coração transbordante de amor, praticar a caridade cristã.

 O Arquétipo Caboclo.

 

O elemento indígena, nas três Américas, foi chamado de selvagem pelo branco. Essa designação se originou do choque entre o estilo de vida europeu, marcado pela ostentação, pela ambição, pelo desejo da posse de bens e pelo culto das aparências, e o estilo de vida dos índios, vivendo em sociedades marcadas pela propriedade comunitária dos bens, pela harmonia com a Natureza, pela simplicidade de seus hábitos, pelo despojanento e ausência de ambições materiais.

Ao contrário, contudo, do que o homem branco disseminou, as sociedades indígenas possuíam  uma cultura própria, rica em conceitos filosóficos e profunda em seus princípios. O índio era feliz, porque a terra lhe fornecia o de que necessitava para seu sustento e o de sua família. Contentava-se com pouco e, quem se contenta com pouco, tem sempre tudo o que deseja. Na tribo, as funções eram muito bem definidas e homens e mulheres eram igualmente respeitados pelos papéis que representavam dentro de uma estrutura social baseada na igualdade. A vida em harmonia com a Natureza garantia uma alimentação frugal, muito movimento corporal e consequentemente muita saúde física, muita agilidade e muita vitalidade, grande conhecimento da flora e de suas propriedades medicinais.

Os caboclos da Umbanda são entidades conhecedoras da fisiologia humana, dos males físicos e dos princípios ativos das plantas, o que os habilita a receitar chás, e banhos destinados a curar doenças do corpo e do espírito. Além disso, por sua austeridade, exercem grande autoridade sobre espíritos rebeldes, obsessores, arraigados na prática do mal.

Em suas consultas são sempre muito positivos, falam pouco, mas com grande conteúdo, executam uma limpeza fluídica do consulente, ao mesmo tempo que transmitem energias renovadoras e vivificantes.

Assim como acontece com os Pretos Velhos, nem todos os que se apresentam como Caboclos tiveram encarnação como indígenas, mas todos trabalham com a mesma dedicação, a mesma disciplina e com a mesma carga elevada de amor ao próximo e de desejo de fazer o bem de forma desinteressada e altruísta.

 O Arquétipo Criança.

 

Em qualquer cultura, em qualquer civilização, a presença da criança evoca os sentimentos mais puros que o ser humano é capaz de ter. A criança em si, sua imagem, sua presença traz consigo uma aura de pureza. Não é, por isso, difícil compreender a razão pela qual no Triângulo Umbandista, a pureza é representada simbólica e arquetipicamente pela Criança.

As entidades que se apresentam com essa roupagem trazem sempre para as reuniões uma atmosfera de muita alegria, de muita festa, com distribuição de doces, balas e guloseimas em geral, acompanhada de cânticos alegres e ingênuos, marcados por temáticas ligadas ao universo infantil e ao amor em sua forma mais pura.

Essas entidades, contudo, são portadoras de uma imensa força espiritual, sendo, em geral, espíritos de grande envergadura, de alto nível de evolução, não sendo, em essência, crianças espirituais.

Suas consultas são marcadas por grande informalidade, pois costumam atender sentados no chão, falando com um linguajar infantil, tomando refrigerante e comendo balinhas e doces. Engana-se, entretanto, quem achar que nada se aproveita do que ali se conversa. Não existe pureza sem sinceridade e, por isso, quem consulta com uma Criança sempre se vê confrontado com suas próprias imperfeições e acaba sendo levado a uma tomada de consciência em relação à necessidade de uma reforma íntima.

Além disso, o grau de evolução dos espíritos que trabalham com essa roupagem lhes dá uma tal autoridade sobre os espíritos malévolos que, no mais das vezes, esses se afastam amedrontados, evitando um confronto de proporções infinitamente desiguais.

As crianças são também exímias manipuladoras de energias etéreas, o que as torna especialistas em descarregar energias pesadas do perispírito dos consulentes, além de fazer uma canalização de energias positivas que reergue o ânimo, por isso, após passar pela consulta, o consulente costuma se sentir revigorado, leve, experimentando um sentimento de felicidade e de paz, além de um intenso desejo de melhorar seu próprio destino.

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