Umbanda: Nome ou Rótulo? Uma Questão de Identidade

Tenho lido quase tudo que é produzido em termos de literatura umbandista. Digo quase tudo, porque, de um lado sei que é impossível saber de tudo que acontece e, de outro há publicações que sinceramente entendo que não valem a pena, já a partir do tipo de temática que apresentam.

Há pouco tempo tive acesso a um livro de publicação recente – e cujo título e autor omitirei aqui, porque não é nosso objetivo fazer ataques pessoais – que muito me preocupou em razão das obscuras concepções que ainda se insiste em fazer passar, trazendo o rótulo de “Umbanda”. Digo rótulo, porque é mais ou menos isso que acontece quando se procura nomear um produto: coloca-se um rótulo. O nome é algo mais próprio, mais típico, mais ligado a uma identidade e, por isso, há que se estabelecer uma profunda diferença entre o que traz o nome de Umbanda e o que traz o rótulo de Umbanda.

O livro a que hoje faço referência está rotulado de Umbanda. Nele há uma profusão de temas que merecem e devem ser tratados com critério e em profundidade, a fim de que se possa meditar sobre as profundas diferenças a que me refiro, quando falo de rótulo e de nome.

Como são muitos os temas, vou abordar um por vez e isso gerará uma série de artigos cujo objetivo é muito mais o de direcionar o verdadeiro umbandista, do que criticar as convicções alheias, até porque eu entendo que grande parte das pessoas que enveredam por alguns caminhos escusos na senda da religião, fazem-no porque não têm um verdadeiro conhecimento e porque são conduzidos e induzidos por alguns espertalhões que se auto-intitulam sacerdotes e que não passam de comparsas de delinqüentes do mundo espiritual, atuando no plano físico para sustentar os vícios e a insanidade desses malfeitores.

O tema de hoje é um dos mais controvertidos, mas também o mais fácil de ser tratado à luz da razão e da lógica. Trata-se da velha questão do sacrifício animal.

Para começar, quero demarcar território e afirmar mais uma vez de forma taxativa, peremptória e livre de qualquer ambigüidade ou dúvida: na prática da verdadeira Umbanda, em nenhuma circunstância, sob nenhum pretexto ou argumento, haverá sacrifício animal. Isso não existe em Umbanda. Essa não é uma prática da Umbanda. Quem pratica isso em nome da Umbanda está mentindo e usando indevidamente o nome da religião.

Demarcado o território, resta analisarmos alguns argumentos que vêm sendo utilizados (e inclusive renovados, adaptados aos novos tempos) por aqueles que infelizmente ainda continuam a se servir dessas práticas espúrias e imundas.

Primeiramente deve-se dizer que uma das estratégias mais eficazes (contra os incautos) para legitimar o que é polêmico e não é legítimo é desviar o foco da abordagem, isto é, procurar deslocar o argumento de sobre aquilo que é central, para alguma questão periférica que não tem nenhuma importância para o fato em si, mas que desperta algum tipo de apelo popular, encontrando aí justificativas para legitimar o ilegítimo.

Assim é que, quando um autor argumenta que o sacrifício de animais não é feito com animais silvestres, mas somente com animais domesticáveis e criados em cativeiro existe um óbvio deslocamento da discussão, porque a vedação que a verdadeira umbanda faz em relação ao sacrifício ritual não tem absolutamente nada a ver com questões ecológicas (por mais que a ecologia seja importante para a Umbanda em si), mas está ligada a um princípio, um fundamento que os próprios defensores do sacrifício não conseguem perceber e alcançar: ao dizer, como eles fazem, que toda a carne do sacrifício é consumida pelos próprios médiuns e pela assistência e que apenas o sangue do animal é oferecido à entidade oferendada, eles mesmos fazem uma demonstração do tipo de entidade a quem estão pretendendo agradar. Em Missão da Umbanda, Ramatis, falando pela mediunidade de Norberto Peixoto (2008), se manifesta de forma clara e inequívoca, afirmando que o sangue é elemento material de baixíssimo padrão vibratório e que é buscado por entidades corrompidas, violentas, sem qualquer tipo de evolução espiritual, enfim, os marginais do astral, e que essa busca tem por objetivo satisfazer o vício que tais entidades ainda sustentam por energias materiais grosseiras.

Oferendar sangue, portanto, é contribuir com a vibração nauseabunda que emana dos esgotos dos astral; é se escravizar a escravos, descendo ao mais baixo dos submundos umbralinos e confraternizando com aqueles que lá se encontram.

Mas não é só na vibração do sangue que essa escória se compraz: eles também experimentam profundo deleite com a fugaz vibração de dor e de humilhação experimentada pela criatura que tem sua sagrada vida extirpada em um ritual de maldade, escárnio e sadismo e que sente seu sangue escoar lentamente para dentro dos alguidares imundos, enquanto uma coorte de depravados canta e dança se comprazendo com o sofrimento e com a morte.

Fica uma sugestão àqueles que continuam acreditando em argumentos como o de que o sangue é sagrado para as entidades, por ser fonte de vida: qualquer casa que tenha entre seus médiuns pelo menos três mulheres em idade reprodutiva tem uma inesgotável fonte mensal de sangue (fonte de vida). Ofereçam a esses ratos de esgoto com que vocês trabalham absorventes usados, afinal, sangue é sangue. Vocês estarão poupando vidas preciosas de seres em evolução que não desejam passar pela profunda humilhação de serem mortos em rituais primitivos e nojentos.

Outro argumento que deve ser combatido é o de que se o indivíduo come carne, então seria incoerente condenar o sacrifício. Incoerente é usar um argumento como esse. Por que? Porque uma coisa nada tem a ver com outra. Certamente o ato de comer carne é ainda um hábito atávico e desagradável que o ser humano preserva. Sei que abandoná-lo é muito difícil, embora a sugestão dos espíritos seja sempre no sentido de que o façamos, sempre que sentirmos ser possível.

Apesar disso, posso salientar uma diferença radical que também é apontada por Ramatis em “A Missão da Umbanda”: a execução que se faz nos matadouros é rápida e impessoal. Não possui uma finalidade ritual, é um processo industrial que não me obriga, enquanto consumidor, a conviver com o sofrimento do animal. Ainda assim, o ato de comer carne, de uma perspectiva espiritual é prejudicial a quem o tem, sendo, contudo, menos prejudicial que o sacrifício ritual.

Por tudo o que foi dito, sobressai límpida a incoerência do argumento: se o próprio ato de comer carne é considerado nocivo e vicioso, como se pode querer justificar com ele o sacrifício? Querem dizer que é possível validar alguma coisa pela comparação com um virtual defeito? Não é mais ou menos como dizer: se você já matou um, que mal há em matar outros?

Ou seria, então, uma lógica coercitiva do tipo: se você não aprova o ritual de sacrifício, então pare já de comer carne; caso você não consiga parar, então deixe de ter muitos princípios e venha cortar um pescoço.

Tudo por tudo, o que precisa ser esclarecido, de uma vez por todas, é que essas práticas bizarras e primitivas não estão relacionadas com a verdadeira Umbanda.

Umbanda não é isso e, esclarecer pontos assim é uma questão de identidade, uma questão de estabelecer quem usa nome e quem usa rótulo.

Nos próximos artigos iremos abordar outros temas também polêmicos que continuam a ser tratados indevidamente como artigos de Umbanda.

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